Escrito para um moça que mora nos meus sonhos e no coração.
Os carros quase não passavam pela rua escura e
larga onde ela morava. A casa colorida feito um arco-íris contrastava com a
ausência de cores que a rua parecia desconhecer.
As noites em que ela passava falando comigo ao
telefone era iluminada pela lua de dezembro e silenciosas, como se tudo ao
redor quisessem ouvir nossas conversas apaixonadas, risos infantis e
sentimentos profundos de quem não sabe por onde esse amor está levando.
Sofá, colchão, almofadas, céu, estrelas, cigarros,
lençóis, o chão e o alarme fazem parte do cenário dessa história construída por
duas mulheres jovens e de corações apaixonados.
Não sei bem qual foi o momento em que entendi a
minha necessidade em escuta-la todas as noites antes de dormir. Para os dias
ansiosos de dezembro, o melhor refúgio era nas risadas vivas e na voz dengosa
da mulher imaginada e amada por mim.
Até hoje consigo lembrar o timbre da sua voz cheia
de gírias e de um sotaque forte que parecia querer saltar pra fora da linha
telefônica.
E assim, ficávamos horas a conversar, a nos amar,
a imaginar as duas juntas como se nada mais valesse a pena nesse mundo há não
ser nossa vontade do infinito.
Enquanto a conversa fluía, eu escutava o barulho
da sua casa, que sempre imaginava no pensamento, e ouvia o barulho da rua
distante.
O som vinha bem lá de fora, o toque de um alarme,
daqueles de seguranças de rua que ficam vigiando as casas alheias enquanto
dormimos despreocupados. Todas as noites, eu escutava os ruídos que repetidas
vezes alarmava e eu começava a imaginar histórias sobre o tal vigia da rua.
Escutava e sentia o som. Ficava comigo pensando e
construindo como seria esse homem, que julgava ser um moço velho, que passava
todas as noites fazendo o mesmo percurso, cansado dos percalços dessa vida. E o
som do alarme me fazia lembrar essas noites em que não podia está ao lado dela.
Todo telefonema era igual, falávamos da saudade e
eu escutava o barulho do vigia, ele começou a ser quase um conhecido meu e a
participar das nossas conversas noturnas.
Por entres conversas ansiosas, apaixonadas e
esperançosas decidi que era preciso percorrer alguns quilômetros, se jogar
distante e sair sozinha pelos caminhos que me levariam a até ela.
Numa sexta, quase véspera natalina encontrei uma
mulher sentada num ponto de ônibus vazio a minha espera. Meus olhos descobriram
que era essa, a mesma mulher que coloria as minhas noites semanais. Enfim...
Quase não consigo descrever a alegria te tê-la por perto.
Nessa embriaguez de acontecimentos, parei pra
olhar o cenário dos nossos encontros noturnos. Eu vi a rua que já imaginava ser
escura, eu vi o céu cheio de estrelas e que de lá parece está mais próximo da
gente. Eu vi a lua, que ela via quando olhávamos juntas. Olhei a cama e as
paredes coloridas, e os cigarros e as fotos e os isqueiros, e os incensos tudo
isso que hoje me faz lembrar ela.
Céu estrelado e corações cheios de amor numa noite
que se perdeu junto à madrugada, eu beijava seu lábios em vez de escuta-los.
Olhos que se encontravam mãos que se entrelaçavam línguas que não precisavam
falar.
Esperávamos que o mundo acabasse, e pouco
importaria.
No meio de tantos beijos, carinhos, sorrisos e
desejos, o relógio ainda trabalhava, fazendo passar as horas. Mas o que não
passava era a vontade de tê-la comigo até o amanhecer do dia sem pensar em
quase nada.
O quarto se tornou um caleidoscópio, cheios de
cores e sentimentos. Enquanto o tempo parava dentro dele, lá fora passava o meu
conhecido vigia que continuava a alarmar pela rua, mas que dessa vez me fez
chorar de rir quando lembrei que agora estava junto a ela.
Ele veio buzinou e foi embora...
Veio só pra me avisar que a noite é curta, mas que
o tempo é longo e que é preciso coragem para amar a longas distâncias, pois a
vida é breve e o vento brinca com o vai e vem de amores.