quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O silêncio do vigia

Escrito para um moça que mora nos meus sonhos e no coração.

Os carros quase não passavam pela rua escura e larga onde ela morava. A casa colorida feito um arco-íris contrastava com a ausência de cores que a rua parecia desconhecer.
As noites em que ela passava falando comigo ao telefone era iluminada pela lua de dezembro e silenciosas, como se tudo ao redor quisessem ouvir nossas conversas apaixonadas, risos infantis e sentimentos profundos de quem não sabe por onde esse amor está levando.
Sofá, colchão, almofadas, céu, estrelas, cigarros, lençóis, o chão e o alarme fazem parte do cenário dessa história construída por duas mulheres jovens e de corações apaixonados.
Não sei bem qual foi o momento em que entendi a minha necessidade em escuta-la todas as noites antes de dormir. Para os dias ansiosos de dezembro, o melhor refúgio era nas risadas vivas e na voz dengosa da mulher imaginada e amada por mim.
Até hoje consigo lembrar o timbre da sua voz cheia de gírias e de um sotaque forte que parecia querer saltar pra fora da linha telefônica.
E assim, ficávamos horas a conversar, a nos amar, a imaginar as duas juntas como se nada mais valesse a pena nesse mundo há não ser nossa vontade do infinito.
Enquanto a conversa fluía, eu escutava o barulho da sua casa, que sempre imaginava no pensamento, e ouvia o barulho da rua distante.
O som vinha bem lá de fora, o toque de um alarme, daqueles de seguranças de rua que ficam vigiando as casas alheias enquanto dormimos despreocupados. Todas as noites, eu escutava os ruídos que repetidas vezes alarmava e eu começava a imaginar histórias sobre o tal vigia da rua.
Escutava e sentia o som. Ficava comigo pensando e construindo como seria esse homem, que julgava ser um moço velho, que passava todas as noites fazendo o mesmo percurso, cansado dos percalços dessa vida. E o som do alarme me fazia lembrar essas noites em que não podia está ao lado dela.
Todo telefonema era igual, falávamos da saudade e eu escutava o barulho do vigia, ele começou a ser quase um conhecido meu e a participar das nossas conversas noturnas.
Por entres conversas ansiosas, apaixonadas e esperançosas decidi que era preciso percorrer alguns quilômetros, se jogar distante e sair sozinha pelos caminhos que me levariam a até ela.
Numa sexta, quase véspera natalina encontrei uma mulher sentada num ponto de ônibus vazio a minha espera. Meus olhos descobriram que era essa, a mesma mulher que coloria as minhas noites semanais. Enfim... Quase não consigo descrever a alegria te tê-la por perto.
Nessa embriaguez de acontecimentos, parei pra olhar o cenário dos nossos encontros noturnos. Eu vi a rua que já imaginava ser escura, eu vi o céu cheio de estrelas e que de lá parece está mais próximo da gente. Eu vi a lua, que ela via quando olhávamos juntas. Olhei a cama e as paredes coloridas, e os cigarros e as fotos e os isqueiros, e os incensos tudo isso que hoje me faz lembrar ela.
Céu estrelado e corações cheios de amor numa noite que se perdeu junto à madrugada, eu beijava seu lábios em vez de escuta-los. Olhos que se encontravam mãos que se entrelaçavam línguas que não precisavam falar.
Esperávamos que o mundo acabasse, e pouco importaria.
No meio de tantos beijos, carinhos, sorrisos e desejos, o relógio ainda trabalhava, fazendo passar as horas. Mas o que não passava era a vontade de tê-la comigo até o amanhecer do dia sem pensar em quase nada.
O quarto se tornou um caleidoscópio, cheios de cores e sentimentos. Enquanto o tempo parava dentro dele, lá fora passava o meu conhecido vigia que continuava a alarmar pela rua, mas que dessa vez me fez chorar de rir quando lembrei que agora estava junto a ela.
Ele veio buzinou e foi embora...
Veio só pra me avisar que a noite é curta, mas que o tempo é longo e que é preciso coragem para amar a longas distâncias, pois a vida é breve e o vento brinca com o vai e vem de amores.

paredes coloridas do cenário dos nossos sonhos...